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Decisão do STJ: Não cabe a utilização de óbice previsto para o ANPP para negar o oferecimento de suspensão condicional do processo

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus (AgRg no RHC) 197.001/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou questões essenciais sobre o cabimento da suspensão condicional do processo e o uso de analogia no direito penal, consolidando diretrizes fundamentais para evitar constrangimentos ilegais. A seguir, abordam-se os fundamentos e as razões da decisão.

  1. Vedação da Analogia In Malam Partem para Restrições de Benefícios

Um dos principais pontos da decisão é a rejeição ao uso de analogia in malam partem pelo Ministério Público para justificar a negativa de suspensão condicional do processo (sursis processual). No caso, o órgão acusador aplicou um óbice previsto para o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) — especificamente, a proibição de concessão em crimes contra a mulher por razões de gênero — para impedir o sursis processual.

O STJ entendeu que tal aplicação configura analogia in malam partem, ou seja, uma interpretação extensiva desfavorável ao réu, o que é vedado no direito penal. Conforme jurisprudência firmada, o direito penal só admite a analogia para beneficiar o réu (in bonam partem), de modo a assegurar que os direitos e garantias fundamentais não sejam subvertidos por interpretações arbitrárias.

  1. Inaplicabilidade da Vedação da Lei Maria da Penha

Outro ponto destacado pelo STJ foi a inaplicabilidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, que veda a aplicação de medidas despenalizadoras para crimes de violência doméstica. A Corte verificou que o réu não foi acusado de praticar o delito em contexto de violência doméstica ou familiar, mas sim contra uma mulher, sem que houvesse a especificidade de violência decorrente de gênero. A decisão reitera que nem todo crime cometido contra mulher configura violência doméstica, conforme o disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006.

Assim, a simples condição da vítima como mulher não fundamenta, por si só, a aplicação da vedação da Lei Maria da Penha. Esse entendimento visa evitar interpretações excessivas que possam ampliar a abrangência da Lei além do que o legislador previu.

  1. O Dever-Poder do Ministério Público na Avaliação do Sursis Processual

A Corte Superior também ressaltou que a suspensão condicional do processo, embora não seja um direito subjetivo do réu, representa um poder-dever do Ministério Público. Em outras palavras, cabe ao órgão acusador avaliar a possibilidade de oferta do sursis processual de forma fundamentada e criteriosa, sem utilizar justificativas genéricas ou indevidas analogias para negar o benefício. Esse entendimento se alinha ao que já foi decidido em casos similares, como no AgRg no REsp 2.086.519/SP, enfatizando que o MP não possui discricionariedade absoluta na negativa de benefícios, devendo observar os parâmetros legais e jurisprudenciais.

  1. Precedentes da Terceira Seção e Consistência Doutrinária

A decisão também se ampara no precedente estabelecido pelo Tema Repetitivo 1121 (REsp 1.954.997), no qual a Terceira Seção do STJ confirmou a possibilidade de concessão de sursis processual em casos de crime de importunação sexual, mesmo quando a vítima é mulher. Esse posicionamento consolidado reforça que a negativa do benefício com base na condição da vítima deve ser fundamentada em elementos específicos do caso e da lei, e não em suposições genéricas sobre a gravidade ou contexto do delito.

Conclusão

A decisão no AgRg no RHC 197.001/SP reitera que a interpretação e aplicação de restrições penais devem se pautar pelos limites expressos na legislação, sem estender vedações além do que o texto legal prevê. Esse entendimento evita constrangimentos ilegais e garante a aplicação do direito penal em consonância com os princípios constitucionais de proteção ao réu e de vedação da analogia in malam partem.

Referência: (AgRg no RHC n. 197.001/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 22/10/2024.).

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