O conflito entre a presunção de inocência e a alienação antecipada de criptoativos apreendidos
Nos últimos anos, as criptomoedas têm se tornado objeto frequente de apreensão em investigações criminais, especialmente em casos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e crimes financeiros. Essa nova realidade trouxe à tona uma questão sensível: é constitucional alienar criptomoedas apreendidas antes do trânsito em julgado da ação penal?
O debate gira em torno do conflito entre o artigo 144-A do Código de Processo Penal (CPP) — que autoriza a alienação antecipada de bens apreendidos para preservar seu valor — e o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
1. Busca e apreensão, sequestro e alienação: entendendo cada instituto
Para compreender o problema, é essencial distinguir os institutos jurídicos aplicáveis:
Busca e apreensão: é a inversão da posse em favor do Estado de bens relacionados à prática delituosa (artigos 6º, II, e 240 do CPP). Pode ser determinada pela autoridade policial, nos limites legais.
Sequestro: é a constrição judicial de bens ou valores que representem o produto, proveito ou resultado do crime (artigo 127 do CPP). Depende sempre de autorização judicial.
Alienação antecipada: prevista no artigo 144-A do CPP, permite a venda antecipada de bens sujeitos à deterioração ou depreciação, com o valor depositado em conta judicial.
A controvérsia surge quando a alienação é aplicada a criptoativos como o Bitcoin, cuja volatilidade de mercado é usada como argumento para justificar a “preservação de valor”.
2. Criptoativos e o conceito de bem para fins penais
A legislação penal não menciona expressamente as criptomoedas, mas a doutrina e a jurisprudência vêm consolidando o entendimento de que elas se enquadram como bens móveis incorpóreos, nos termos dos artigos 83 e 84 do Código Civil.
A Lei nº 14.478/2022, conhecida como Marco Legal dos Ativos Virtuais, define esses ativos como “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos”. Isso os torna suscetíveis de apreensão, sequestro e eventual alienação no contexto penal.
O problema é que, diferentemente de um veículo ou um bem físico, o valor do Bitcoin não se deteriora com o tempo, mas oscila conforme o mercado. E volatilidade não é sinônimo de depreciação.
3. Alienação antecipada e o risco de violação ao princípio da presunção de inocência
O artigo 133 do CPP estabelece que, em regra, a alienação de bens apreendidos só deve ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso está em plena harmonia com o princípio constitucional da presunção de inocência — ninguém deve sofrer efeitos patrimoniais de uma acusação ainda não confirmada.
Contudo, decisões recentes têm permitido a alienação antecipada de criptomoedas sob o argumento de “alta volatilidade”, como no julgado do TRF-4 (Apelação Criminal nº 5017056-17.2021.4.04.7100/RS), em que se entendeu que a flutuação de preço justificaria a venda imediata para “preservar o valor do bem”.
Essa interpretação amplia indevidamente o alcance do artigo 144-A do CPP, que foi pensado para bens perecíveis ou deterioráveis, e não para ativos financeiros de natureza especulativa. O risco de perda de valor é inerente ao investimento, não à posse do ativo em si.
4. A natureza relativa da “depreciação” e o risco de dano irreversível
Quando o Estado vende antecipadamente um ativo digital, ele assume o papel de gestor de patrimônio privado. Se, ao final do processo, o réu for absolvido e o ativo tiver se valorizado, a restituição em moeda fiduciária não compensará a perda real.
A alienação, nesses casos, gera lucro cessante forçado, em violação direta aos artigos 5º, incisos LIV, LVII e XLVI, alínea “b”, da Constituição Federal, que asseguram o devido processo legal, a presunção de inocência e a perda de bens apenas como efeito de condenação definitiva.
O princípio da in dubio pro reo deveria prevalecer: diante da dúvida sobre a origem ou a necessidade da alienação, o Estado deveria optar pela manutenção do ativo até decisão final.
5. Custódia judicial e responsabilidade estatal
Um dos argumentos usados para justificar a alienação é a dificuldade técnica de manter a custódia das chaves privadas das criptomoedas apreendidas.
A Resolução nº 288/2024 do CNMP e a Resolução nº 558/2024 do CNJ tentam solucionar a questão, prevendo que:
Se a apreensão ocorrer em exchange registrada, a custódia fica sob responsabilidade da própria corretora até a liquidação judicial;
Se ocorrer fora do ambiente da prestadora, o ativo deve ser transferido para carteira judicial segura ou para conta vinculada a órgão público credenciado.
Ainda assim, a incapacidade técnica do Estado não pode justificar a violação de direitos fundamentais. O problema da gestão dos ativos é de natureza administrativa, não jurídica.
6. Possíveis caminhos de equilíbrio
Uma alternativa razoável seria a custódia supervisionada, com auditorias periódicas, mantendo o ativo em carteira judicial até o desfecho do processo. Assim, preserva-se tanto o valor econômico do bem quanto o direito constitucional do investigado.
Outra possibilidade é permitir a substituição do ativo digital por caução equivalente, mediante anuência do juiz e do Ministério Público, evitando prejuízos decorrentes de flutuações do mercado.
7. Conclusão
A discussão sobre o sequestro e a alienação antecipada de criptoativos representa um dos maiores desafios contemporâneos do direito penal econômico.
O Estado precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre a efetividade da persecução penal e a proteção das garantias constitucionais. A alienação precoce de ativos digitais, ainda sem condenação, ultrapassa essa linha e fragiliza o princípio da presunção de inocência.
Perguntas frequentes
1. O que fazer se minhas criptomoedas foram apreendidas em uma investigação criminal?
Procure imediatamente um advogado com experiência em crimes financeiros e digitais, capaz de requerer a restituição dos bens ou impugnar a alienação antecipada. Cada caso depende da origem comprovada dos ativos e do estágio processual.
2. É possível recuperar bitcoins apreendidos antes do final do processo?
Sim, desde que seja demonstrada a licitude da origem dos valores e a ausência de vínculo com o delito investigado. O artigo 120 do CPP prevê essa possibilidade de restituição.
3. O que faz um advogado criminalista nesse tipo de caso?
Um advogado criminalista, especializado em direito penal econômico e crimes digitais, atua na defesa de investigados ou réus em processos que envolvem apreensão de criptomoedas, bloqueio de contas e medidas cautelares patrimoniais.
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