Entra em vigor nesta terça-feira (20/06/23) o Decreto Federal n. 11.563, de 13 de junho de 2023, para regulamentar a Lei n. 14.478, de 21 de dezembro de 2022, conhecida como Marco Legal dos Criptoativos, estabelecendo competências ao Banco Central do Brasil para, dentre outras atribuições, regular a prestação de serviços de ativos digitais.
A partir desta terça-feira, o Banco Central terá a liberdade para estabelecer diretrizes que podem ajudar a fortalecer esse mercado, incluindo a integração de inovações como Pix, open finance, real digital e smart contracts, entre outras.
De acordo com o decreto, o Banco Central terá competência para regular, autorizar e supervisionar o mercado de ativos digitais e as empresas prestadoras desses serviços. A lei ainda não havia delegado esta atribuição para uma autoridade responsável.
Agora, caberá ao Banco Central criar uma regulamentação infralegal para o setor. O novo decreto não se aplica aos ativos que representam valores mobiliários, cuja supervisão continuará sob a guarda da Comissão de Valores Mobiliários. O texto também mantém as atribuições do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
E qual a necessidade de regulamentar um setor, cuja tecnologia foi desenvolvida em sua origem, justamente, para retirar os intermediários de qualquer relação?
Em que pese tenha surgido no contexto de um movimento que prezava pela privacidade e ausência de ingerência estatal, um mercado que atingiu um altíssimo volume de transações, que só no primeiro trimestre de 2023 alcançou R$ 45,8 bilhões, dificilmente passaria despercebido ao olhar estatal, que se preocupa com ambientes sem qualquer regulamentação.
Observou-se nos últimos anos a má utilização da tecnologia por parte de alguns usuários, tornando-se também ambiente de ilicitudes, como o famoso caso do Silk Road, ambiente virtual que transacionava qualquer coisa, e a moeda de troca era o Bitcoin.
Assim, a regulamentação do universo cripto se mostra importante para não condenar a tecnologia. Tal regulamentação abrange desde boas práticas, como a política de conhecer seu cliente, até a tipificação de crimes.
Na esfera penal, foram cinco importantes alterações. Implementou-se o artigo 171-A, com o nome de “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros” ou a Fraude Cripto. O referido tipo penal surge depois dos diversos casos de pirâmides de criptomoedas, que dentre outros fatores fez o valor da criptomoeda sofrer uma baixa abrupta, desvalorizando a tecnologia, período que passou a ser chamado de inverno cripto.
O dispositivo prevê como fato típico organizar, gerir, ofertar, distribuir carteiras ou intermediar operações que são relacionadas a ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros que ao final tragam qualquer vantagem ilícita, prejuízo para alguém, com a necessidade de o fato criminoso ser, necessariamente, realizado por meio de algum meio fraudulento.
Ao aumentar a pena, tanto a mínima quanto a máxima cominada, o legislador entendeu que o fato criminoso se diferencia das possíveis fraudes já previstas no Código Penal. O novo tipo do artigo 171-A estabeleceu limites de 4 a 8 anos de prisão e multa.
Agora, criminosos que atraem o público com a promessa de grandes rendimentos por meio de “pirâmides” de criptoativos estarão enquadrados no referido dispositivo. Antes, as pirâmides financeiras eram entendidas como crime de estelionato, cuja pena era de um a cinco anos e multa, e exigia que as vítimas representassem em até seis meses após a ciência da autoria do fato.
Devido à extensão dos danos causados, muitas discussões foram feitas acerca da fraude com criptoativos também poder ser considerado crime contra o sistema financeiro nacional. Contudo, o artigo 1º da Lei 7.492/86 traz o conceito de instituição financeira para fins penais e existiam dúvidas se as exchanges poderiam ser equiparadas.
O legislador teve a oportunidade de equiparar as exchanges, que realizam negociações, custódia de ativos digitais, com instituições financeiras para fins da Lei n. 7.492/86. Como resultado, as exchanges estão sujeitas a uma tipificação especial de crimes contra o sistema financeiro. Elas devem atentar-se para divulgação de informações falsas (artigo 3º da Lei 7.492/86); gestão fraudulenta ou temerária (artigo 4º da Lei 7.492/86); apropriação de bens e valores (artigo 5º da Lei 7.492/86), dentre outros tipos específicos previstos na Lei.
O Marco Legal dos Criptoativos também modificou significativamente a Lei de Lavagem de bens, direitos e valores – Lei n. 9.613/98. A primeira modificação foi a criação de uma causa de aumento de um a dois terços se houver lavagem de capitais com ativos digitais. O uso de criptoativo é suficiente para causar um aumento expressivo na pena, devido à complexidade da tecnologia e a exposição ao público (art. 1º, § 4º, da Lei de Lavagem).
Além disso, o legislador também trouxe políticas de boas práticas para as exchanges, obrigando-as a conhecer quem é seu cliente, manter os registros em base de dados, adotar políticas de controle, conhecer a transação, bem como informar às autoridades qualquer operação suspeita.
Essa mudança visa responsabilizar os agentes intermediadores, sinalizando que as operações com criptoativos não possuem função de ocultar ilícitos, tampouco lavar bens e valores.
As prestadoras de serviços de ativos digitais sediadas no Brasil, terão obrigações legais de boas práticas. Isso significa que devem registrar todas as transações e os indivíduos que operam, e se houver qualquer suspeita, devem ser notificadas à autoridade competente.
Dessa forma, o Marco Legal dos Criptoativos surge como um sinal de que esse mercado em constante expansão não comporta o salvo-conduto para atividades ilícitas, tampouco assegura sua prática, pois, as entidades fiscalizadoras estão atentas, o que beneficia a sociedade e o bom uso de novas tecnologias.